Mia Couto vence prémio Camões (Expresso O Prémio Camões foi hoje atribuído a Mia Couto, disse à Lusa a Secretaria de Estado da Cultura. O escritor moçambicano é o 25º vencedor do prémio Camões.
Conto: O não desaparecimento de Maria Sombrinha - Mia Couto
Afinal, quantos lados tem o mundo no parecer dos olhos do camaleão?
Já muita coisa foi vista neste mundo. Mas nunca se encontrou nada mais triste que caixão pequenino. Pense-se, antemanualmente, que esta estória arrisca conter morte de criança. Veremos a verdade dessa tristeza. Como diz o camaleão - em frente para apanhar o que ficou para trás.
Deu-se o caso numa família pobre, tão pobre que nem tinha doenças. Dessas em que se morre mesmo saudável. Não sendo pois espantável que esta narração acabe em luto. Em todo o mundo, os pobres têm essa estranha mania de morrerem muito. Um do mistérios dos lares famintos é falecerem tantos parentes e a família aumentar cada vez mais. Adiante, diria o camaleonino réptil.
A família de Maria Sombrinha vivia em tais misérias, que nem queria saber de dinheiro. A moeda é o grão de areia esfluindo entre os dedos? Pois, ali, nem dedos. Tudo começou com o pai de Sombrinha. Ele se sentou, uma noite, à cabeceira da mesa. Fez as rezas e olhou o tampo vazio.
- “Eh pá, esta mesa está diminuir!”
Os outros, em silêncio, balancearam a cabeça, em hipótese.
- “Vocês não estão a ver? Qualquer dia não temos onde comer.”
Ao se preparar para dormir, apontou o leito e chamou a mulher:
- “Esta cama cada dia está mais pequena. Um dia desses não tenho onde deitar.”
Debateram o assunto, timidamente, com o pai. Sugeriram que a razão pudesse ser inversa: o mundo é que estava a aumentar, encurralando a aldeiazinha. Fosse o caso dessa suposição, a aldeia estaria metida em vara de sete camisas. Mas o velho não arredou ideia. Casmurrou contra argumento alheio, ancorado na teima dele.
Por fim, sua visão minguante aconteceu com Sombrinha. Ele via o tamanho dela se acanhar, mais e mais pequenita. E se queixava, pressentimental:
- “Esta menina está-se a enxugar no poente...”
Todos se riam. O pai cada vez piorava. Face ao riso, o homem se remeteu à ausência. Se transferiu para as traseiras, se anichou entre desperdício e desembrulhos. A filha ainda solicitou comparência do mais velho.
- “Deixe o seu pai. lá onde está, ele não está em lugar nenhum.”
Valia a pena sombrear a miúda, minhocar-lhe o juízo? Mas Sombrinha não deixou de rimar com a alegria. Afinal, era ainda menos que adolescente, dada somente a brincriações. Sendo ainda tão menina, contudo, um certo dia ela se barrigou, carregada de outrem. Noutros termos: ela se apresentou grávida. Nove meses depois se estreava a mãe. Sem ter idade para ser filha como podia desempenhar maternidades?
A criancinha nasceu, de simples escorregão, tão minusculinha que era. A menina pesava tão nada que a mãe se esquecia dela em todo o lado. Ficava em qualquer canto sem queixa nem choro.
- “Essa menina só pára quieta!”, queixava-se Sombrinha.
Deram o nome à menininha: Maria Brisa. Que ela nem vento lembrava, simples aragem.(...)